quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Satã Trismegisto

Esta música nasceu da indignação em ver como o ser humano pode ser egoísta e mesquinho.
Escolhi o primeiro poema (chamado Ao Leitor), do livro As Flores do Mal do poeta francês Charles Baudelaire, pois os sentimentos presentes no texto vieram de encontro com o que eu sentia.
A narração do poema é de Laisa. Que aliás teve muita paciência em fazer a gravação da narração várias vezes até chegarmos na que esta presente na música.
Por se tratar de uma peça eletroacústica, todos os sons presentes foram gravados previamente e depois manipulados através de softwares de edição, inclusive a voz, passou por algumas mudanças feitas no computador.
Na estrutura da peça, o arpeggio de piano que aparece no início tem a função de mostrar que ainda existem coisas boas no ser humano, mas logo em seguida, trabalho uma ambiência para que seja possível a narração do texto com toda a carga negativa que este traz consigo. Em alguns trechos, procuro até mesmo dar uma cara demoníaca, para enfatizar certas "qualidades" da humanidade.

Veja a música no youtube através do link:
http://www.youtube.com/watch?v=uzvHiV7aSFc


Segue abaixo o poema de Charles Baudelaire:

Sempre tolice e erro, culpa e mesquinhez
Trabalham nosso corpo e ocupam nosso ser,
E aos remorsos gentis, nós damos de comer
Como o mendigo nutre a sua sordidez.

Frouxo é o arrependimento e tenaz o pecado,
Por nossas confissões muito é o que a alma reclama,
Voltando com prazer a um caminho de lama,
Crendo lavar as manchas com pranto amaldiçoado.

Junto ao berço do Mal é Satã Trismegisto,
A nossa alma a ninar tão longamente invade,
Do precioso metal desta nossa vontade
Este alquimista faz um vapor imprevisto.

É o Diabo que nos move através de cordéis!
O objeto repugnante é o que mais nos agrada;
E do inferno a descer sempre um degrau da escada,
Vamos à noite errar por sentinas cruéis.

Tal como um libertino que beija e mastiga
O seio enrugado de velha vadia,
Furtamos ao acaso uma oculta alegria
Que esprememos assim como laranja antiga.

Espesso, a formigar como um milhão de helmintos,
Ceva-se em nossa fronte um povo de avejões,
E quando respiramos, a Morte nos pulmões
Desce, invisível rio e com sons indistintos.

E se o estupro, o veneno, o incêndio e a punhalada,
Não puderem bordar com seus curiosos planos
A trama banal vã dos destinos humanos,
É que nossa alma enfim não é bastante ousada.

No entanto entre lebréus, panteras e chacais,
Macacos e escorpiões, abutres e serpentes,
Os monstros a grunhir, ladrantes ou gementes,
Que são o nosso vício em infames currais,

Um existe mais feio e mais perverso e imundo!
Embora não se expanda em gestos ou em gritos,
De bom grado faria da terra só detritos
E num simples bocejo engoliria o mundo.

É o tédio! – os olhos seus que a chorar sempre estão,
Fumando o seu huka (cachimbo), sonha com o cadafalso.
Tu o conheces, por certo, o frágil monstro, ó falso
Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!

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